terça-feira, 15 de dezembro de 2009

vídeo de apresentação do COP15

http://www.youtube.com/watch?v=xDaRRqd4E5E

MST NOSSO DE CADA DIA

Por: Alexandro V. da Costa Lopes



Mais uma vez o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi parar nos meios de comunicação de massa, desta vez com a ocupação da fazenda do grupo Cutrale em Borebi – SP, a 311 km da capital, onde ocorreu a derrubada dos pés de laranja, entre outras coisas. Fato este que trouxe repercutiu em outro assunto que poderá ser assunto de vários dias para a mídia caso tudo ocorra como os parlamentares desejam, conforme Miranda (2009) a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) movida pela bancada ruralista do Senado e poderá ser efetivada no dia 09 de dezembro em local a ser definido.

CPMI esta que se propõe a investigar e avaliar os repasses pelo governo através de ONGs ao MST, bem como recursos de fundações e instituições internacionais que irrigam e dão condições à organização do movimento.

Tudo isto muito bem amparado pela mídia em geral, em especial os meios tradicionalmente baseados na formação de opinião da grande massa como as TVs Globo, SBT e Record, revista Veja, principais sites de notícias, manejando os fatos de forma primorosa em favor de um dos lados da moeda, e este não representa nenhum movimentos sociais ou qualquer comprometimento com a sociedade em geral.

Em resumo, o MST passa por um período crítico em sua história de atuação no campo em busca de uma reforma agrária justa em prol da agricultura familiar, uma vez que o processo de tratar o movimento como um ente criminoso, iniciado há alguns anos começa a ser legitimado na sociedade civil (cada vez mais “afogada” nos ideais neoliberais), e hoje o Estado inicia o processo judicial para relegá-lo à exclusão total.

Contudo, cabe a nós repensar este processo histórico brasileiro de embates e disputas entre os grandes proprietários de terras e aqueles que pouco ou nada possuem, e que não é um processo novo e iniciado pelo MST. Muito pelo contrário. Vem deste o “Descobrimento” do país e a apropriação do Rei de Portugal de todo o território brasileiro de então, ignorando todas as populações indígenas e seu uso das terras. Bem como o nosso problema agrário tampouco é um problema somente nosso, mas de todas as nações, e herdamos nossa parcela da Europa Medieval e lhes demos os matizes que podemos observar ainda hoje, por exemplo, o modelo agrário medieval, que seguimos por vezes rigorosamente, onde os grandes senhores eram proprietários de grandes extensões de terras, exercendo poder supremo nelas.

Não que este modelo não gerasse conflitos de igual ou superior poder. Conflitos estes que na Europa levou à formação do Estado supremo, à Revolução Burguesa, e consequentemente à evolução do capitalismo.

Aqui no Brasil também gerou conflitos importantes, mas como temos uma forte cultura paternalista, de não afrontamento, de estagnação social e um célebre esquecimento político, o modelo medieval de propriedade sobreviveu, em especial no meio rural. Além disso, nossa História, enquanto arte daqueles que vencem, fez sua parte menosprezando ou relegando ao esquecimento aqueles que não pertenciam ao rol dos “escolhidos”. Como exemplo destes conflitos podemos destacar as fugas dos escravos negros e indígenas que geraram os inúmeros quilombos espalhados pelo Brasil afora, as lutas homéricas de Zumbi dos Palmares, Canudos no sertão baiano e sua sociedade alternativa, e a conseqüente guerra que resultou entre 15 a 20 mil mortos, ou ainda, num passado mais recente, Carajás e outros conflitos de latifundiários e MST.

Sem muito refletir podemos verificar que há um conflito no que se refere à propriedade no Brasil, que nunca teve como princípio servir a todos, de modo que a propriedade ao invés de ter um papel de coesão social, e tem o papel de diferenciação social, entre os possuidores, que são efetivamente cidadãos, e aqueles que não a possuem, e consequentemente não são cidadãos. Resultando assim na luta entre a elite formada pelos grandes proprietários que desejam “proteger” sua propriedade e os movimentos sociais que desejam a justiça social, onde cada qual arma-se dos melhores meios possíveis. Onde o Estado comunga com os interesses das elites e usa a máquina estatal para protegê-los, enquanto os movimentos sociais buscam o poder da legitimidade do povo e a mobilização de grandes massas em prol de seus ideais, forçando o Estado a aceitá-los.

Entre os principais movimentos sociais modernos lembremo-nos dos sindicatos e suas lutas em prol dos direitos dos trabalhadores, das greves e conflitos. Lutas que forçaram o Estado e as elites a reconhecê-los e a cederem espaço no dialogo, o que resultou nos direitos trabalhistas atuais.

Mas por que o MST, em sua luta pela reforma agrária, provoca tal poder de impacto que nenhum outro movimento social moderno foi capaz de promover? Por que o governo desqualifica suas ações constantemente e dificultam as negociações?

Primeiro, porque a reforma agrária nunca foi efetivada no Brasil. Foram realizadas somente algumas medidas paliativas foram estabelecidas pelo Estado, visando a solução imediata dos conflitos sociais, mas nunca uma reestruturação do sistema agrário brasileiro, entre estas medidas foi a colonização das regiões Centro-Oeste e Norte entre as décadas de 1960 a 1980, incentivadas pelo poder público e realizadas por iniciativas privadas. Aliviando, assim, as tensões agrárias no período.

Além disso, o MST arma-se contra o princípio tradicionalmente mais protegido no Capitalismo, a propriedade privada. O MST luta pela reforma agrária, ou seja, que a propriedade tenha uma utilidade real e social. Neste sentido é um movimento revolucionário, pois mexe com a base estrutural do sistema, podendo abalar a sociedade e os princípios já estabelecidos, assim como os sindicatos de trabalhadores das cidades em seu período de abrangência social, que buscavam por benefícios sociais negados pelo Estado e pela elite econômica, embora estes nunca tenham questionado os direitos e deveres da propriedade privada.

Do outro lado, a elite luta pelo direito de fazer o que bem entender com sua propriedade, inclusive deixá-la lá, quietinha, não produzindo nada, somente esperando ser valorizada, ou produzindo produtos de exportação em larga escala. Baseiam-se no ideal neoliberal do direito fundamental e inalienável à propriedade, uma vez que esta é resultado do uso racional do trabalho, da economia e do sacrifício individual, e, portanto, cada um tem o direito de fazer dela o que quiser, pois o direito à propriedade (e sua manutenção) é um direito que é superior ao interesse público. Sendo que o Estado tem por função proteger estes direitos, mesmo que para isso seja necessário o uso do poder de polícia, como deixou bem claro Maílson da Nóbrega em seu artigo na Revista Veja.

Opinião esta partilhada por boa parte dos representantes políticos que estão no poder, ou seja, uma proposta de sociedade praticamente consensual, iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso e que ganha mais força a cada dia pela legitimação social, manipulada pela mídia. De maneira a garantir no seio da sociedade a constatação que o MST é um movimento que pouco se importa com a questão agrária, se preocupando apenas com a subversão do capitalismo, ou seja, da “ordem e do progresso”, que ele deixou as questões reais para se envolver em política, associando o movimento com os ideais comunistas (o que assusta muita gente ainda hoje).

Aliás, a mídia é o mais eficiente instrumento ideológico desta proposta de sociedade, sendo um consenso entre Carvalho Filho (1997), Comparato (2001) e Sigaud (2005) a influência negativa da mídia nos relatos das ações do MST sobre a opinião pública e a sua conseqüente criminalização social ao associar o movimento com “baderna”, invasão de propriedades privadas, destruição de patrimônio, a ações pouco práticas e sem sentido aparente, mas de alta carga política (como a derrubada dos pés de laranja).

Em suma, o movimento social encabeçado pelo MST perde espaço social numa sociedade que já não deseja refletir sobre o papel da propriedade, nem mesmo do que esta significa para cada um de nós, conforme elaborou Comparato (2000) sobre as funções sociais da propriedade e sobre os direitos e deveres vinculados a ela, e que o movimento provoca em cada um de nós ao levantar a questão da reforma agrária. O movimento provoca reflexão sobre nossas bases, e isso dói, isso fere profundamente, por isso a sociedade em geral não quer refletir. O MST deseja movimento, a sociedade prefere ficar em casa e assistir a novela Cama de Gato e sonhar que talvez tenham um dia a sorte da faxineira que vira gente.

Afinal de contas, que sociedade é esta que estamos formando que de tão moderna está perdendo todo e qualquer vinculo social, que já não se preocupa sequer mais com seu vizinho de porta, onde o desejo por novas roupas de marca, carros cada vez mais caros que poucos conseguem sustentar se faz necessidade de primeira categoria, onde programa de final de semana é “passear” no Shopping Center e brincar no telefone de última geração (que é a única coisa faz, pois não liga pra ninguém porque não tem dinheiro para por créditos e nem recebe ligação de outros, pelo mesmo motivo), que programas de TV só querem nos fazer comprar coisas que não precisamos e que não temos dinheiro para comprar, que falemos como não jamais falamos, que pensemos exatamente como eles pensam, que vejamos as brigas familiares e a desestruturação social como algo engraçado e normal, que vejamos o mundo como algo impassível de mudança e que tudo é “natural”.

No fim das contas, somos cada vez mais exatamente aqueles que “eles” querem que sejamos e que aceitemos tudo como está como algo imutável. Somos cada vez mais filhos rejeitados pelo grande pai Estado, e para tentar não sermos abandonados obedecer a tudo que nos diz. E no fim, poderemos perder o ultimo remanescente dos movimentos sociais que refletem e enfrentam o capitalismo neoliberal e suas políticas de desapropriação do trabalhador, seja ele rural ou não. Se isso acontecer, somente a revolução que nunca ocorreu no Brasil poderá apaziguar as contradições.







Referências Bibliográficas



CARVALHO FILHO, José Juliano de. Reforma agrária: de eleições a eleições. Estudos Avançados, v. 11, n. 31, São Paulo, p. 99-109, Set./Dez. 1997.


COMPARATO, Bruno Konder. A ação política do MST. São Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 04, São Paulo, p. 105-118, Out./Dez. 2001.


COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. In: STROZAKE, Juvelino José. (Org.). A questão agrária e a justiça. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2000. p. 130-147.


MIRANDA, Paulo Roberto. CPMI do MST poderá ser instalada na próxima quarta-feira. Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/internet/radio/chamadaExterna.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/default.asp?selecao=MAT&Materia=97067. Acessado em 05 de dez. 2009.

NÓBREGA, Maílson da. O MST é, sim, um caso de polícia. Revista Veja, São Paulo, edição 2139, ano 42, n. 46, p. 86, 18 de novembro de 2009.

O MST é um movimento legítimo? MTV Debate. MTV, 19 de novembro de 2009. Programa de TV. Disponível em: http://mtv.uol.com.br/debate/videos/mtv-debate-o-mst-%C3%A9-um-movimento-leg%C3%ADtimo-assista-e-deixe-seu-coment%C3%A1rio


OMS, Carolina. CPI contra MST é coronelismo do DEM e PSDB, diz petista. Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4028540-EI6578,00-CPI+contra+MST+e+coronelismo+do+DEM+e+PSDB+diz+petista.html. Acesso em 01 de dez. 2009.

SIGAUD, Lygia. As condições de possibilidade das ocupações de terra. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 17, n. 1, p. 255-280, junho 2005.